Deusa Afrodite

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Afrodite é a forma grega da deusa semítica da fecundidade e das águas fertilizantes, Astarté. Na Ilíada, a deusa é filha de Zeus e Dione, daí seu epíteto de Dionéia. EXISTEtodavia, uma Afrodite muito mais antiga,cujo nascimento é descrito na Teogonia, consoantes o tema de procedência oriental da mutilação de Urano. Com o epíteto de Anadiômene, a saber, “a que surge” das ondas do mar, de um famoso quadro do grande pintor grego Apeles (Sec. IV a.e.c.), tão logo nasceu, a deusa foi levada pelas ondas ou pelo vento Zéfiro para Cítera e, em seguida, para Chipre, dai seus dois outros epítetos de Citeréia e Cípris. Essa origem dupla da deusa do amor não é estranha à diferenciação que se estabeleceu entre Afrodite Urânia e Pandêmia, significando esta última, etimologicamente, “a venerada” por todo o povo”, Pándemos, e posteriormente, com discriminação filosófica e moral, “a popular, a vulgar”. Platão, no Banquete, estabelece uma distinção rígida entre a Pandêmia, a inspiradora dos amores comuns, vulgares, carnais e a Urânia, a deusa que não tem mãe, (amétor) e que, sendo Urânia, é ipso facto, a Celeste, a inspiradora de um amor etéreo, superior, imaterial, através do qual se atinge o amor supremo, como Diotima revelou a Sócrates. Este “amor urânico”, desligando-se da beleza em si, que é partícipe do eterno.

Deusa importada – Em Chipre, a deusa foi acolhida pelas Horas, vestida e ornamentada e, em seguida conduzida à mansão dos Olímpicos. Apesar dos esforços dos mitógrafos, no sentido de helenizar Afrodite, esta sempre traiu sua procedência asiática. Com efeito, Hesíodo não é o único que estampa as origens orientais da deusa. Já na Ilíada a coisa é bem perceptível. Sua proteção e predileção pelos troianos e particularmente por Enéias, fruto de seus amores com Anquises, denotam claramente que Afrodite é o menos grega possível. No Hino Homérico à Afrodite o caráter asiático da deusa ainda é mais claro: apaixonada pelo herói troiano Anquises, avança em direção a Tróia, em demanda do nome Ida, acompanhada de ursos, leões e panteras. Pois bem, sua hierofania voluptuosa transforma até os animais, que se recolhem à SOMBRA dos vales, para se unirem no amor que transborda de Afrodite. Essa marcha amorosa da grande deusa em direção a ìlion mostra nitidamente que ela é uma Grande Mãe do monte Ida.

Entre os troianos, seu grande protegido é Páris. E os Cantos Cíprios relatam como a deusa, para recompensá-lo por lhe ter ele outorgado o título de a mais bela das deusas, o auxiliou na viagem marítima a Esparta e no rapto de Helena.

Seu amante divino Adônis nos leva igualmente à Asia, uma vez que Adônis é mera transposição do babilônico Tamuz, o favorito de Istar-Astarté, de que os gregos modelaram sua Afrodite. Como se pode observar, desde seu nascimento até suas características e mitos mais importantes, Afrodite nos aponta para a Asia. Deusa tipicamente oriental, nunca se encaixou bem no mito grego, parece uma estranha no ninho.

Em torno da mãe de Enéias se amalgaram mitos de origens diversas e que, por isso mesmo, não formam um relato coerente, mas episódios por vezes bem desconexos. O grande casamento “grego” da deusa do amor com Hefesto, o deus dos nós, o deus ferreiro e coxo da ilha de Lemnos.

Os Amantes de Afrodite – Ares, nas prolongadas ausências de Hefesto, que instalara suas forjas no monte Etna, na Sicília, partilhava constantemente o leito de Afrodite. Fazia-o tranqüilo, porque sempre deixava à porta dos aposentos da deusa uma sentinela, um jovem chamado Aléctrion, que deveria avisá-lo da aproximação da luz do dia, isto é, do nascimento do Sol, conhecedor profundo de todas as mazelas deste mundo. Um dia, o incansável vigia dormiu e Hélio, o sol, que tudo vê e que não perde a hora, surpreendeu os amantes e avisou Hefesto. Este, deus que sabe atar e desatar, preparou uma rede mágica e prendeu o casal ao leito. Convocou os deuses para testemunharem o adultério e estes se divertiram tanto com a picante situação, que a abóbada celeste reboava com as gargalhadas. Após insistentes pedidos de Posídon, o deus coxo consentiu em retirar a rede. Envergonhada, Afrodite fugiu para Chipre e Ares para a Trácia. Desses amores nasceram Fobos (o medo), Deimos (o terror) e Harmonia, que foi mais tarde mulher de Cadmo, rei de Tebas.

No que tange à preferência da deusa do amor pelo deus da guerra, o que trai uma complexo appositorum, uma conjugação dos opostos, Hefesto sempre a atribuiu ao fato de ser aleijado e Ares ser belo e de membros perfeitos. Claro está que o deus das forjas não poderia compreender que Afrodite é antes de tudo uma deusa da vegetação, que precisa ser fecundada, seja qual for a origem da semente e a identidade do fecundador. Quanto ao jovem Aléction, sofreu exemplar punição: por haver permitido, com seu sono, que Hélio denunciasse a Hefesto tão flagrante adultério, foi metamorfoseado em Galo (alektyón) em grego é galo e obrigado a cantar toda madrugada, antes do nascimento do sol.

Ares não foi, no entanto, o único amor extraconjugal de Afrodite. Sua paixão por Adônis ficou famosa. O mito, todavia, começa bem mais longe. Téias, Rei da Síria, tinha uma filha, Mirra ou Esmirna, que, desejando competir em beleza com a deusa do amor, foi por esta terrivelmente castigada, concebendo uma paixão incestuosa pelo próprio pai. Com auxílio de sua aia, Hipólita, conseguiu enganar Téias unindo-se a ele durante doze noites consecutivas. Na derradeira noite, o rei percebeu o engodo e perseguiu a filha com a intenção de matá-la. Mirra colocou-se sob a proteção dos deuses, que a transformaram na árvore que tem seu nome. Meses depois, a casca da “mirra” começou a inchar e no décimo mês se abriu, nascendo Adônis. Tocada pela beleza da criança, Afrodite recolheu-a e confiou secretamente a Perséfone. Esta, encantada com o menino, negou-se a devolvê-lo à esposa de Hefesto. A luta entre as duas deusas foi arbitrada por Zeus e ficou estipulado que Adônis passaria um terço do ano com Perséfone, outro com Afrodite e os restantes quatro meses onde quisesse. Mas, na verdade, o lindíssimo filho de Mirra sempre passou oito meses do ano com a deusa do amor.

Mais tarde, não se sabe bem o motivo, a colérica Artemis lançou contra Adônis adolescente a fúria de um javali, que, no decurso de uma caçada, o matou. A pedido de Afrodite, foi o seu grande amor transformado por Zeus em anêmona, flor da primavera, e o mesmo Zeus consentiu que o belo jovem ressurgisse quatro meses por ano e vivesse ao lado da amante. Efetivamente, passados os quatro meses primaveris, A FLOR anêmona fenece e morre. O mito, evidentemente, prende-se aos ritos simbólicos da vegetação, como demonstra a luta pela criança entre Afrodite (a “vida” da planta) e Perséfone (“a morte” da mesma nas entranhas da terra), bem como o sentido ritual dos Jardins de Adônis, Há uma variante do mito que faz de Adônis filho não de Téias, mas do rei do Chipre, o qual era de origem fenícia, Cíniras, casado com Cencréia. Esta ofendera gravemente Afrodite, dizendo que sua filha Mirra era mais bela que a deusa, que despertou na rival uma paixão violenta pelo pai. Apavorada com o caráter incestuoso de sua paixão. Mirra quis enforcar-se, mas a aia Hipólita interveio e facilitou a satisfação do amor criminoso. Consumado o incesto, a filha e amante de Cíniras refugiou-se na floresta, mas Afrodite, compadecia com o sofrimento da jovem princesa, metamorfoseou-a na Árvore de Mirra. Foi o próprio rei quem abriu a casca da árvore para de lá retirar o filho e neto ou, segundo outros, teria sido um javali que, com seus dentes poderosos, despedaçara a mirra, para fazer nascer a criança. Nesta variante há duas causas para a morte de Adônis: ou a cólera do deus Ares, enciumado com a predileção de Afrodite pelo jovem oriental ou a vingança de Apolo contra a deusa, que lhe teria cegado o filho Erimanto, por Tê-la visto nua, enquanto banhava.

De qualquer forma, a morte de Adônis, deus oriental da vegetação, do ciclo da semente, que morre e ressuscita, daí sua katábasis para junto de Perséfone e a conseqüente anábasis em busca de Afrodite, era solenemente comemorada no Ocidente e no Oriente. Na Grécia da época Helenística deitava-se Adônis morto num leito de prata, coberto de púrpura. As oferendas sagradas eram frutas, rosas, anêmonas, PERFUMES e folhagens, apresentados em cestas de prata. Gritavam, soluçavam e descabelavam-se as mulheres. No dia seguinte atiravam-no ao mar com todas as oferendas. Ecoavam, dessa feita, cantos alegres, uma vez que Adônis, com as chuvas da próxima estação, deveria ressuscitar.

Foi exatamente para perpetuar a memória de seu grande amor oriental, que Afrodite instituiu na Síria uma festa fúnebre, que as mulheres celebravam anualmente, na entrada da primavera. Para simbolizar “o tão pouco” que viveu Adônis, plantavam-se mudas de roseiras em vasos e caixotes e regavam-nas com água morna, para que crescessem mais depressa.

Os amores de Afrodite não terminam em Adônis. Disfarçada na filha de Otreu, rei da Frígia, amou apaixonadamente o herói troiano Anquises, quando este pastoreava seus rebanhos no monte Ida da Tróada. Desse enlace Nasceu Enéias, que a deusa tanto protegeu durante o cerco de Ílion pelos gregos, como nos atesta a Ilíada. Bem mais tarde, do primeiro ao décimo segundo canto da Eneida de Vergílio, Enéias a teve novamente por escudo e por bússola. É desse Enéias, diga-se de passagem, que, através de Iulus, filho do herói troiano, pretendia descender a gens iulia,, a família dos Júlios, como César e Otaviano, o futuro imperador Augusto. Falsas aproximações etimológicas geraram muitos deuses, heróis e imperadores.

De sua União com Hermes nasceu Hermafrodito, etimologicamente (filho) de Hermes e Afrodite. Criado pelas ninfas do monte Ida, o jovem era de extraordinária beleza. Tão grande como a de Narciso.

Com sua eternamente insatisfeita “enérgeia” erótica, Afrodite amou ainda o deus do Êxtase e do entusiasmo. De sua união com Dioniso nasceu a grande divindade da cidade asiática de Lâmpsaco, Priapo. Trata-se de um deus itifálico, guardião das videiras e dos jardins. Seus atributo essencial era “desviar” o mau-olhado e proteger as colheitas contra os sortilégios dos que desejavam destruí-las. Deus de poderes apotropaicos, sempre foi considerado como um excelente exemplo de magia simpática, tanto “homeopática”, pela lei da similaridade, quanto pela de “contágio, pela lei do contato, em defesa dos vinhedos, pomares e jardins, em cuja entrada figurava sua estátua.

Ficaram também célebres na mitologia as explosões de ódio e as maldições de Afrodite. Quando se tratava de satisfazer a seus caprichos ou vingar-se de uma ofensa, fazia do amor uma arma e um veneno mortal. Pelo simples fato de Eos ter-se enamorado de Ares, a deusa fê-la apaixonar-se violentamente pelo gigante Oríon, a ponto de arrebatá-lo e escondê-lo, com grande desgosto dos deuses, uma vez que o gigante, como Héracles, limpava os campos e as cidades de feras e monstros. O jovem Hipólito, que lhe desprezava o culto, por ter-se dedicado a Artemis, foi terrivelmente castigado. Inspirou a Fedra, sua madrasta, uma paixão incontrolável pelo enteado. Repelida por este, Fedra se matou, mas deixou uma mensagem mentirosa a Teseu, sua marido, e pai de Hipólito, acusando a este último de tentar violentá-la, o que lhe explicava o suicídio. Desconhecendo a inocência do filho, Teseu expulsou-o de casa e invocou contra o mesmo a cólera de Posídon. O deus enviou contra Hipólito um monstro marinho que lhe espantou os cavalos da veloz carruagem e o jovem, tendo caído, foi arrastado e morreu despedaçado.

Puniu severamente todas as mulheres da ilha de Lemnos, por que se negaram a prestar-lhe culto. Castigou-as com um odor tão insuportável, que os esposos as abandonaram pelas escravas da Trácia.

A própria Helena, que, por artimanhas da deusa e para premiar Páris, fugiu com ela para Tróia, deplorava como se fora uma “até”, uma loucura, uma cegueira da razão, o amor que lhe infundira Afrodite e a fizera abandonar a pátria e os deuses.

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Prostitutas Sagradas – A esta divindade do prazer pelo prazer, do amor universal que circula nas veias de toras as criaturas, porque, antes de tudo, Afrodite é a deusa das “sementes”, da vegetação, estavam ligadas, à maneira oriental, As célebrese hierodulas, as impropriamente denominadas prostitutas sagradas. Essas verdadeiras sacerdotisas entregavam-se nos templos da deusa aos visitantes, com o fito, primeiro de promover e provocar a vegetação e, depois, PARA ARRECADAR DINHEIROpara os próprios templos. No riquíssimo (graças às hierodulas) santuário de Afrodite no monte Érix, na Sicília, e, em Craníon, nos bosques de ciprestes de um famoso Ginásio, chamado Craníon, a deusa era cercada por mais de mil hierodulas, que à custa dos visitantes, lhe enriqueciam o santuário. Personagens principais das famosas Afrodísias de Corinto, todas as noites elas saíam às ruas em alegres cortejos e procissões rituais. Embora alguns poetas cômicos, como Aléxis e Eubulo, ambos do Século IV a.e.c., tivessem escrito a esse respeito alguns versos maliciosos, nos momentos sérios e graves, como nas invasões persas de Dario (490 a.e.c.) e Xerxes (480 a.e.c.), se pedia às hierodulas que dirigissem preces públicas a Afrodite. Píndaro, talvez o mais religioso dos poetas gregos, celebrou com um (skólion), isto é, com uma canção convival, um grande número de jovens hierodulas que Xenofonte de Corinto ofertou a Afrodite, em agradecimento por uma dupla vitória nos Jogos Olímpicos.

Em Atenas, um dos epítetos da deusa era (Hetaíra), hetera “companheira, amantes, cortesã, concubina”, abstração feita de qualquer conotação de prostituta. Tal epíteto certamente se deve a um outro de Afrodite, a Pandêmia.

Afrodite é o símbolo das forças irrefreáveis da fecundidade, não propriamente em seus frutos, mas em função do desejo ardente que essas mesmas forças irresistíveis ateiam nas entranhas de todas as criaturas. Eis aí o motivo por que a deusa é freqüentemente representada entre animais ferozes, que a escoltam.

O mito da deusa do amor poderia, assim, permanecer por um longo tempo ainda a imagem de uma perversão, a perversão da alegria de viver e das forças vitais, não mais porque o desejo de transmitir a vida estivesse alijado do ato de amor, mas porque o amor em si mesmo não seria humanizado. Permaneceria apenas como satisfação dos instintos, digno de animais ferozes que formavam o corteja da deusa. Ao término de tal evolução, no entanto, Afrodite poderia reaparecer como a deusa que sublima o amor selvagem, integrando-o numa vida realmente humana.

O Nascimento de Afrodite – Da espuma do mar, fecundada pelo sangue de Urano (o Céu) nasceu uma jovem levada em primeiro lugar para a ilha de Cítera e em seguida a Chipre. Deusa encantadora, não tardou em percorrer a costa, e as flores nasciam sob os seus pés delicados. Chama-se Afrodite (Afrodite), ou Citeréia, do nome da ilha a que aportou, ou ainda Cipris, do nome da ilha em que é honrada. Pelo menos, é essa a tradição mais difundida, pois algumas lendas diferentes vieram confundir-se em Afrodite que, às vezes, surge como filha de Zeus e de Dione.

Nas pinturas antigas, Afrodite é freqüentemente representada deitada sobre uma simples concha; nas moedas, vemo-la num carro puxado pelos Tritões e pelas Tritônidas. Finalmente, numerosos baixos-relevos no-la apresentam seguida de hipocampos ou CENTAUROS marinhos. No século dezoito, os pintores franceses, e notadamente Boucher, viram no nascimento de Afrodite um tema infinitamente gracioso e útil à decoração. Uma multidão de pequenos Eros paira nos ares ou escolta a deusa. Aliás, os pintores franceses seguiram, nesse ponto, as tradições bebidas na Itália.

Conformando-se à narração dos poetas, Albane colocou a deusa num carro puxado por cavalos marinhos. Assim é que ela vai ter a Cítera, onde a aguarda Peitho (a Persuasão), que, na margem, estende os braços à jovem viajante. Eros está sentado perto do mar; as Nereidas e os Amores montados em delfins formam o cortejo da deusa. Alegres Amores festejam a chegada de Afrodite, e outros esvoaçam no ar semeando flores na passagem, faz parte do museu de Viena, Rúbens pintou a festa de Afrotite em Cítera. Ninfas, sátiros e faunos dançam em torno da sua estátua, enquanto os Amores entrelaçam guirlandas de flores e enchem os ares de alegres cadências. Ao fundo, mostrou o pintor o templo da deusa.

O atavio de Afrodite é um tema que a arte e a poesia fixaram bem. Enquanto as Horas estavam incumbidas da educação da deusa, as Cárites presidiam as cuidados do seu atavio. Uma multidão de quadros reproduziu tão encantadora cena, e os pintores não deixaram de acrescentar todos os pormenores que lhes sugeriu a imaginação. Quando Boucher faleceu, tinha sobre o cavalete um quadro representando o atavio de Afrodite. Prudhon pintou Afrodite estendida num leito antigo e servida pelos Amores que lhe perfumam os cabelos, lhe estendem um espelho, queimam PERFUMES em torno da deusa, trazem-lhe jóias e lhe entrelaçam guirlandas de flores. Rubens também faz intervir Eros que segura um espelho no qual a mãe se fita; infelizmente, é uma velha que lhe arranja s cabelos. A velhice lenta e enrugada jamais deve aproximar-se de Afrodite.

Albane. que está longe de ser artista de primeira ordem, é, no entanto, o que mais lembra, pela natureza das suas composições, as graciosas ficções da antiguidade sobre Afrodite. O Atavio de Afrodite, quadro que infelizmente escureceu, é talvez, a sua obra-prima como concepção mitológica. Num terraço, à beira-mar, Afrodite contempla-se num espelho que Eros lhe apresenta, enquanto as Cárites lhe perfumam a linda cabeleira. e lhe arranjam os atavios. Diante dela está uma fonte onde um Amor faz que matem a sede duas pombas. Um palácio aéreo, como convém a Afrodite, aparece no fundo de um tanque, ao passo que, nas nuvens, Amores alados atrelam cisnes brancos ao carro de ouro que vai conduzir a passeio a deusa, e enchem os ares dos seus melodiosos concertos.

Tipo e Atributos de Afrodite – “O culto sírio de Astarte, diz Ottfried Mueller, parece, encontrando na Grécia alguns inícios indígenas, ter dado nascimento ao culto célebre e difundido por toda parte de Vênus Afrodite.

A idéia fundamental da grande deusa Natureza, sobre a qual ele repousava, nunca se perdeu inteiramente; o elemento úmido que formava no Oriente o império reservado a essa divindade continuou a ser submetido ao poder de Vênus Afrodite nas costas e nos portos em que era venerada; sobretudo o mar, o mar tranqüilo e calmo, refletindo o céu no espelho úmido das suas ondas, parecia, aos OLHOS dos gregos, uma expressão da sua divinal natureza. Quando a arte, no ciclo de Afrodite, deixou para trás as pedras grosseiras e os ídolos informes do culto primitivo, a idéia de uma deusa cujo poder se estende por toda parte e à qual ninguém pode resistir, animou as suas criações; gostava-se de a representar sentada num trono, segurando nas mãos os sinais simbólicos de uma natureza repleta de mocidade e esplendor, de uma luxuriante abundância; a deusa estava inteiramente envolta nas dobras das suas vestes (a túnica mal lhe deixava à mostra uma parte do seio esquerdo) que se distinguiam pela elegância, pois precisamente nas imagens de Afrodite, a graça rebuscada das vestes e dos movimentos parecia pertencer ao caráter da deusa.

Nas obras saídas da escola de Fídias, ou produzidas sob a influência dessa escola, a arte representa em Afrodite o princípio feminino e a união dos sexos em toda a sua santidade e grandeza. Vê-se ali, antes, uma união durável formada com o fito do bem geral, e não uma aproximação efêmera que deve terminar com os prazeres sensuais que ele proporciona. A nova arte ática foi a primeira que tratou do tema de Afrodite com um entusiasmo puramente sensual, e que divinizou, nas representações figuradas da deusa, já não mais apenas um poder ao qual o mundo inteiro obedecia, mas antes a individualidade da beleza feminina.”

Afrodite dá leis ao céu, à terra, às ondas e a todas as criaturas vivas. “Foi ela que deu o germe das plantas e das árvores, foi ela que reuniu nos laços da sociedade os primeiros homens, espíritos ferozes e bárbaros, foi ela que ensinou a cada ser a unir-se a uma companheira. “Foi ela que nos proporcionou as inúmeras espécies de aves e a multiplicação dos rebanhos. O carneiro furioso luta, às chifradas, com o carneiro. Mas teme ferir a ovelha. O touro cujos longos mugidos faziam ecoar os vales e os bosques abandona a ferocidade, quando vê a novilha. O mesmo poder sustenta tudo quanto vive sob os amplos mares e povoa as águas de peixes sem conta. Afrodite foi a primeira em despojar os homens do aspecto feroz que lhes era peculiar. Dela foi que nos vieram o atavio e o cuidado do próprio corpo.” (Ovídio).

Afrodite Celeste e Afrodite Vulgar – Pausânias, na sua descrição de Tebas, assinala várias estátuas de Afrodite, da mais alta antiguidade, pois haviam sido feitas com o lenho dos navios de Cadmo e consagradas pela própria Harmonia. “A primeira, diz ele, é Afrodite celeste, a segunda Afrodite vulgar, e a terceira é chamada preservadora. Foi a própria Harmonia que lhes impôs tais nomes para distinguir essas três espécies de Amores: um celeste, ou seja casto, outro vulgar, ou seja, preso ao corpo, o terceiro desordenado, que leva os homens às uniões incestuosas e detestáveis. Era à Afrodite preservadora que se dirigiam as preces para a preservação dos desejos culposos.” (Pausânias).

Temos interessante exemplo desse último aspecto de Afrodite, numa decisão do senado romano, o qual, segundo os livros sibilinos consultados pelos decênviros, ordenara a dedicação de uma estátua a Vênus vesticordia (convertedora), como meio de reconduzir as moças devassas ao pudor do sexo. (Valério Máximo).

A tartaruga, emblema da castidade das mulheres, era consagrada à Afrodite celeste, e o bode, símbolo contrário, consagrado à Afrodite vulgar. As imagens da deusa, que se encontravam em todas as casas, eram, além de tudo, acompanhadas de inscrições que indicavam o seu caráter. Eis aqui uma que chegou até nós: “Esta Afrodite não é a Afrodite popular, é a Afrodite urânia. A casta Crisógona colocou-a na casa de Amphicles, a quem deu vários filhos, comoventes penhores da sua ternura e fidelidade. Todos os anos, o primeiro cuidado desses felizes esposos é de vos invocar, poderosa deusa, e em premio da sua piedade, todos os anos lhes aumentais a ventura. Prosperam sempre os mortais que honram os deuses.” (Teócrito).

Vênus celeste está caracterizada pela veste estrelada. Vemo-la figurada numa pintura de Pompéia onde está representada de pé com um diadema na cabeça e um cetro na mão (fig. 344). O famoso escultor Scopas fizera para a cidade de Élis uma Vênus vulgar que pusera sentada sobre um bode; figura análoga se encontra em outra pedra gravada antiga (fig. 345). No século XIX, o pintor Gleyre compôs um belíssimo quadro sobre o mesmo tema. Essa Vênus era sobretudo honrada em Corinto, cidade marítima que sempre se celebrizou pelas cortesãs. Ali é que vivia a famosa Laís, em torno da qual se lê o seguinte epigrama na Antologia : “Eu, altiva Laís. de quem a Grécia era joguete, eu que tinha à porta um enxame de jovens amantes, consagro a Vênus este espelho, pois não desejo ver-me tal qual sou, e já não posso ver-me tal qual era.”

Encontra-se na mesma coletânea outro trecho ainda mais interessante: “Minarete, que há pouco estendia os fios da trama e sem cessar fazia ressoar a lançadeira de Atena, acaba de consagrar a Afrodite o seu cesto de trabalho, as suas lãs e os seus fusos, todos instrumentos seus de labor, queimando-os no altar: “Desaparecei, exclamou, instrumentos que deixais morrer de fome as pobres mulheres e murchais a beleza das jovens!” Depois, pegou coroas, um alaúde e pôs se a levar vida alegre nas festas e nos banquetes. “Ó Afrodite, diz ela à deusa, hei de trazer-te o dízimo dos meus benefícios: proporciona-me trabalho no teu interesse e no meu.” (Antologia).

Afrodite de Cnido – Na origem, não se tinha o hábito de representar Afrodite, no instante em que sai da espuma do mar, ou seja, inteiramente nua. Assim, foi a obra de Praxíteles considerada novidade, e a própria deusa testemunha, pela boca de um antigo autor, o espanto por se ver assim desprovida de vestes. “Mostrei-me a Páris, Anquises e Adônis é verdade; mas onde foi que Praxíteles me viu?” (Antologia).

Narra Plínio que Praxíteles, a quem os habitantes de Cos haviam encomendado uma Afrodite, lhes deu a escolher entre duas estátuas, uma das quais estava vestida, ao passo que a outra estava nua. Preferiram eles a primeira, e Praxíteles vendeu a segunda aos habitantes de Cuido que se congratularam com a compra, pois ela granjeou reputação e fortuna ao país. A Afrodite de Cuido parece ter sido o tipo da maioria das estátuas da deusa, quando se representava no momento do nascimento. O Zeus de Fídias e a Afrodite de Cnido por Praxíteles eram considerados, nos diferentes gêneros, dois produtos dos mais perfeitos da escultura. Dizia Plínio: “De todas as partes da terra, navega-se em direção a Cnido, para contemplar a estátua de Afrodite.” O rei Nicomedes ofereceu aos cnidianos, em troca da estátua, a totalidade das dívidas deles, que eram importantes. Recusaram a oferta, e com razão, acrescenta Plínio, pois a obra-prima constitui o esplendor da cidade. Uma multidão de escritores da antiguidade nos legou sinais da admiração que lhes inspirava a obra-prima para a qual se fizera a seguinte inscrição: “Ao verem a Afrodite de Cnido, Atena e Hera disseram uma à outra : Não acusemos mais Páris.”

Num dos seus diálogos, Luciano põe as seguintes palavras na boca de um dos interlocutores: “Após examinar por longo tempo e com prazer as plantas e os arbustos que margeiam as aléias do templo de Cnido, entramos; no meio, eleva-se a estátua da deusa, admirável obra, executada em mármore de Paros; paira-lhe nos lábios um doce sorriso ; nenhuma veste lhe vela os encantos; ela só oculta com uma das mãos, mediante um movimento natural, o que o pudor não permite se mostre nem tampouco se nomeie. A arte fez desaparecer a dureza da matéria; em todas as partes desse belo corpo, o mármore possui a suavidade e a sensibilidade da carne.”

Se tão amplamente nos estendemos sobre a Afrodite de Cnido é porque essa obra-prima que tanto assombrou a antiguidade, e que não mais EXISTE, serviu de modelo à maior parte das Afrodites nuas das quais tantas reproduções se nos deparam nos museus. Mas o documento mais importante que conhecemos é a figura representada nas moedas dos cnidianos, a qual lembrava certissimamente, embora com leves variações, a estátua original. Um medalhão de Caracala cunhado em Cnido e uma moeda da mesma cidade, onde a deusa está unida a Esculápio, nos apresentam uma mulher nua, voltando levemente a cabeça para um dos lados, e segurando com uma das mãos uma leve veste erguida acima de um vaso. Esses dois monumentos foram reunidos num florão de Gabriel de Saint-Aubin. O artista suspendeu o medalhão acima de uma mesa coberta de flores, de pedras, de ornamentos preciosos, de vasos de formato diferente e de diversos instrumentos do mais requintado luxo. Quis, mediante tais objetos de atavio, aludir à famosa cortesã Frinéia que, segundo se afirmava, servira de modelo a Praxíteles.

Compreende-se, todavia, que a gravura em medalha tem exigências diversas das da escultura, e que seria difícil admitir que uma moeda pudesse ser a reprodução literal uma estatua. Assim, o braço que sustenta a veste acima do vaso, produz pelo seu afastamento do corpo um vácuo aceitabilíssimo em baixo-relevo, mas que seria lastimável numa estátua. Ademais, na maioria das estátuas que passam por imitações da Afrodite de Cnido, vemos o movimento dos membros superiores diferir sensivelmente do que é oferecido pelas moedas: quase sempre um dos dois braços está dobrado sobre o peito de maneira que a mão se vê na frente do seio. Na Afrodite do Capitólio, por exemplo, tal movimento é acentuadíssimo e o vaso de PERFUMES recoberto de um pano, que se acha perto da deusa, está completamente separado do braço, mas um pouco mais aproximado da estátua para a consolidar. Entre as numerosíssimas estátuas que podem prender-se à mesma série, a mais famosa é a Afrodite de Médicis, situada na tribuna da Galeria de Florença. Eis a descrição que dela fazia o catálogo do Louvre, onde figurou durante quinze anos: “A deusa dos Amores acaba de sair da espuma do mar, onde nasceu ; a beleza virginal aparece, na margem encantada de Cítera, sem outro véu que a atitude de pudor. Se a cabeleira lhe não flutua sobre os divinos ombros, é por que as Horas, com as suas mãos celestiais, acabam de lha arranjar (Hino homérico).

Um delfim e uma concha estão aos seus pés: são os símbolos do mar, elemento natal de Vênus. Os dois Amores que o encimam não são os filhos da deusa. Um deles é o Amor primitivo (Eros) que desemaranhou o Caos; o outro é o Desejo (Himeros) que aparecera no mundo ao mesmo tempo que o primeiro ser sensível. Ambos a viram nascer e jamais se lhe afastaram dos passos (teogonia de Hesíodo). A Afrodite de Médicis tem as orelhas furadas, como já se observou em outras estátuas da mesma deusa; sem dúvida pendiam delas esplêndidos brincos. O braço esquerdo conserva no alto o sinal evidente do bracelete chamado spinther, representado em escultura em várias das suas imagens. Uma inscrição colocada sobre o plinto nos diz que o autor da Afrodite de Médicis é Cleômenes, ateniense, filho de Apolodoro.”

Afrodite nem sempre está de pé quando sai das águas, e uma numerosa série de estátuas ordinariamente designadas com o nome de Vênus agachadas, apresenta-nos a deusa apoiando um dos joelhos ao chão para tornar a erguer-se. O nome de Vênus no banho também lhes é atribuído. Quando a deusa aperta a cabeleira úmida, chamam-lhe de Vênus anadiomene. Apeles fizera uma Vênus anadiomene da qual os antigos elogiavam bastante a beleza. Os habitantes de Cos exigiram outra Vênus semelhante, do mesmo artista, mas ele morreu deixando a obra incompleta.

A Vênus de Apeles foi celebrada várias vezes na Antologia: “Esta Afrodite, que sai do seio materno das águas, é obra do pincel de Apeles. Vê como, pegando com a mão a cabeleira molhada, espreme a água! Agora as próprias Hera e Atena dirão: “Não queremos mais disputar-te o prêmio da beleza,” (Antologia).

Uma estátua de bronze representando Vênus a sair do mar e espremendo a água de que se acham embebidos os cabelos, passa, em virtude da analogia do tema, por ser imitação da Vênus pintada por Apeles. Grande número de monumentos representa Vênus anadiomene vogando sobre as águas com a sua escolta de Tritões, de Nereidas ou de CENTAUROSmarinhos. Numa medalha de Agripina, cunhada em Corinto aparece a deusa num carro puxado por um Tritão que traz uma concha e uma Nereida a tocar um clarim. Uma moeda dos brutianos mostra-a sentada num hipocampo ou cavalo-marinho: estende os braços para Eros, que se acha sobre a cauda do animal e dispara uma seta. Mas entre as representações de tal gênero, a mais famosa é um baixo-relevo antigo, cuja cópia se nos depara em várias coleções. Vênus está sustentada sobre as águas por CENTAUROS marinhos: os Tritões fazem soar as conchas, os Amores e as Nereidas rodeiam alegremente a deusa. Uma das Nereidas segura, ao lado dela, um espelho, outra abraça Eros.

Numerosos quadros dos últimos séculos representam Vênus anadiomene, e entre eles o mais famoso é o de Ticiano.

Afrodite Genitrix – Considerada como geradora do gênero humano, Vênus está sempre vestida. Nas. estátuas, as dobras da sua veste indicam freqüentemente que está molhada, e às vezes traz um dos seios descobertos, por ser a nutriz universal. As medalhas a mostram vestida e com os dois seios cobertos, mas ela está freqüentemente acompanhada de um menino: a deusa, nesse caso, recebe o nome de Vênus genitrix. Temos no Louvre uma bela estátua de Vênus genitrix com um seio descoberto; de resto, o mesmo tipo se encontra quase idêntico em vários museus.

Afrodite Vitoriosa – Dá-se este nome a Vênus quando ela usa as armas de Ares. Com efeito, vemos, em várias pedras gravadas, uma figura de Vênus segurando na mão um capacete. Às vezes está ainda acompanhada de um escudo ou de troféus de armas. Outras, segura numa das mãos o capacete, e na outra uma palma. Essas figuras nos mostram sempre Vênus triunfante contra Ares, como conseqüência da mesma idéia que deu nascimento à lenda de Héracles fiando aos pés de Onfales. É sempre a beleza a dominar a força.

A associação de Ares e Vênus está igualmente fixada em duas pinturas de Herculanum, onde se nos deparam Amores preparando o trono das duas divindades. Um capacete está representado no trono de Ares e uma pomba no de Vênus. A pomba é, com efeito, o atributo especial de Vênus, como o capacete é o atributo de Ares.

Colocam-se, outrossim, entre as Vênus vitoriosas unia série de estátuas que só têm vestes para cobrir os membros inferiores, e que têm por caráter determinante a colocação de um dos pés sobre uma pequena elevação. Tal postura implica a idéia da dominação sobre Ares, quando é um capacete que suporta o pé, e sobre o mundo, quando ele se apóia simplesmente num rochedo. Neste caráter, não tem a deusa a graça que se lhe dá como Vênus nascente; pelo contrário, assume as atitudes de heroína. As formas do corpo estão repletas de vigor e força e as feições possuem uma expressão de brutalidade desdenhosa muito distante do sorriso. A Vênus de Milo é considerada o tipo mais completo dessa classe de estátuas. A beleza grave e sem afetação de tal figura nada tem do agradável coquetismo que a maioria dos artistas dos últimos séculos considera apanágio essencial da mulher. Foi no mês de fevereiro de 1820 que um pobre camponês grego a descobriu, remexendo as terras do seu jardim. A estátua, feita de mármore de Paros, está constituída por dois blocos cuja reunião se oculta mediante as dobras da túnica.

por Patriciatarologasp

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